Fim da Cracolândia passa por prevenção e foco no usuário

by Thiago Biancheti

A mudança de endereço de traficantes e usuários, da Luz para a Praça Princesa Isabel, na semana passada, atualiza uma pergunta incômoda há 30 anos em São Paulo: como resolver a questão da Cracolândia? Separar as pessoas em situação de rua dos usuários, recolocar ex-detentos no mercado de trabalho e prevenir o uso drogas na periferia são propostas de especialistas para tentar solucionar problemas que deságuam no fluxo, a concentração em torno do comércio de drogas.

A região da Cracolândia expõe vulnerabilidades sociais relacionadas à moradia, saúde básica e alimentação, como explica o professor Thiago Fidalgo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Não são só usuários e traficantes no fluxo. Essa diferenciação passou a exigir uma lupa ao longo da semana quando a facção criminosa que comanda o tráfico na região central ordenou a saída dos traficantes da região da Luz na sexta-feira, dia 18

Cerca de 1/3, ou quase 200 pessoas, de acordo com estimativa da Polícia Civil, se mudou para a Praça Princesa Isabel. Ali, eles se misturaram às famílias que, em sua maioria, perderam emprego e renda durante a pandemia. “Os moradores de rua devem ser diferenciados dos dependentes químicos”, diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, presidente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM).

Esse problema de habitação já havia sido identificado no projeto Campos Eliseos Vivo, criado pelo Fórum Aberto Mundaréu da Luz, coletivo de urbanistas e organizações da sociedade civil a partir da escuta de trabalhadores, moradores e pessoas em situação de rua três anos atrás. “A moradia seria a porta de entrada para oferecer outros serviços, como saúde, assistência social e emprego”, diz Danielle Klintowitz, coordenadora do Instituto Pólis, que participou da elaboração do documento.

 

OUTRAS CRACOLÂNDIAS

Embora em contextos diferentes, outros países oferecem experiências bem-sucedidas no enfrentamento de suas cracolândias. Na década de 1980, o maior ponto de uso de drogas a céu aberto da Alemanha ficava em Frankfurt, com cerca de 1,5 mil dependentes de heroína. Foram 25 anos para superar o problema. O chamado “Caminho de Frankfurt” começou com encontros mensais com políticos, policiais, líderes sociais e dependentes. O vício passou a ser visto como doença, o que reorientou as ações de saúde pública. As ações da polícia foram importantes.

O professor Thiago Fidalgo, da Unifesp, tem uma ressalva: ele acredita que o “ambiente político brasileiro ainda está muito distante da discussão sobre salas assistidas para uso de crack”.

Nos anos 1990, a cracolândia novaiorquina ficava em Bryant Park, coração de Manhattan. Mercado de drogas a céu aberto. A operação Pressure Point teve foco nas organizações criminosas com policiais à paisana como infiltrados. As leis se tornaram mais severas, com penas mínimas de 15 anos. Os usuários de crack também foram atendidos com as drugs courts, tribunais especializados. Os dados epidemiológicos apontam diminuição nos últimos anos, mas a droga ainda é um problema.

Frankfurt e Nova Iorque foram cidades analisadas pela Prefeitura de São Paulo, conta Alexis Vargas, secretário executivo de Projetos Estratégicos. A integração dos serviços de saúde e assistência social, nos níveis estadual e municipal, e o uso de policiais infiltrados são exemplos de medidas que inspiraram o modelo paulista.

O psiquiatra Claudio Jerônimo, diretor técnico da unidade Helvetia do Recomeço, cita o exemplo da Suíça, que via centenas de usuários de heroína na Platzpitz Park, em Zurique, nos anos 1990. “Depois que a repressão não deu certo, os suíços adotaram uma política de combate ao tráfico, clínicas de desintoxicação, de redução de danos e ajuda social”, enumera. “As estratégias para heroína não são as mesmas para o crack, mas a integração dos cuidados pode ser uma lição”.


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