Como as empresas lidam com o uso da maconha por empregados nos EUA

by Thiago Biancheti

Um número cada vez maior de Estados americanos está legalizando ou descriminalizando o uso medicinal e recreativo de maconha – o que faz com que empresas tenham de lidar com a possibilidade de empregados irem ao trabalho ainda sob seus efeitos.

No entanto, diferentemente do álcool e de outras subtâncias, traços da maconha permanecem por semanas ou meses no organismo, o que dificulta a aplicação de exames toxicológicos no ambiente de trabalho para detectar se uma pessoa a usou recentemente.

É possível que empregados façam isso em seu tempo livre ou nas férias e, depois, de volta ao trabalho, sejam demitidos porque seus exames em testes toxicológicos deram positivo. Além disso, a existência de leis e regulamentações conflitantes é especialmente complexa para empresas multinacionais ou mesmo as que operam em diferentes regiões dos Estados Unidos.

No país, a maconha é ilegal pela legislação federal, mas 30 Estados e o distrito de Columbia permitem seu uso medicinal e recreacional. Atualmente, 20% dos adultos usam a droga e 14% o fazem regularmente, de acordo com uma pesquisa do Yahoo News em parceria com a Faculdade Marista em Poughkeepsie, de Nova York.

Esses índices devem aumentar significativamente nos próximos anos na América do Norte. Na Califórnia, o Estado mais populoso, com quase 40 milhões de habitantes, o uso recreativo da droga é legal desde novembro do ano passado. O Canadá tem planos de fazer o mesmo e já permite o uso medicinal.

No entanto, a maconha continua ilegal em muitos países, entre eles Brasil, Reino Unido, França, Irlanda, Indonésia, China, Japão, Coreia do Sul e Arábia Saudita. Já em outros como Itália, México, Argentina, Áustria, Chile, Colômbia, Holanda, Espanha e Suíça o uso pessoal foi descriminalizado.

O Uruguai foi o primeiro país a legalizar totalmente a produção e a venda de maconha para fins recreativos. Farmácias passaram a vender a droga neste mês.

“Você precisa de auxílio em cada país em que opera para criar uma política corporativa sobre uso de entorpecentes que não viole as leis locais”, diz o advogado Tony Fiore, do Estado de Ohio.

Colcha de retalhos

Algumas leis e a jurisprudência nos Estados Unidos permitem que empresas demitam empregados que tenham resultados positivos para maconha em exames toxicológicos.

Isso é possível mesmo em Estados onde hoje a droga é legal. O Tribunal Superior do Colorado decidiu, por exemplo, que os empregadores podem despedir funcionários mesmo que o uso de maconha seja para fins medicinais.

Como a droga continua sendo ilegal de acordo com leis federais, a corte manteve a demissão de Brandon Coats, que trabalhava no serviço de atendimento ao consumidor da Dish Network, uma empresa de TV por assinatura. Brandon é tetraplégico e usa a droga para aliviar a dor dos espasmos musculares causados pela deficiência. Em exame aleatório, seu resultado foi positivo.

De acordo com os registros do caso, ele nunca chegou a ser acusado de estar sob influência da droga no trabalho e afirmou nunca tê-la usado no escritório.

Brandon trabalhava na empresa há três anos e recebia ótimas avaliações antes de sua demissão, em 2010. Ele não lidava com nenhuma atividade de risco e nunca havia pedido nenhum tipo de mudança na rotina por conta do uso de maconha.

Por sua vez, outros Estados americanos criaram leis que determinam que empresas abram exceções para o consumo de maconha por motivos médicos — desde que a droga não afete o desempenho no local de trabalho.

Regulamentações sobre a realização de exames toxicológicos nas empresas variam ao redor do mundo. O Centro Europeu de Monitoramento de Drogas e Vício afirma que, no continente, apenas Finlândia, Irlanda e Noruega têm regras específicas que lidam com a questão dos exames.

Na Noruega, por exemplo, esse tipo de teste é considerado uma violação da privacidade de um funcionário ou candidato a vaga e só pode ser feito quando estritamente necessário, como para proteger a segurança do trabalhador ou de outras pessoas.

Os empregadores canadenses têm muito menos liberdade para fazer testes de drogas do que os americanos. “As empresas têm de corresponder às exigências de saúde e segurança, como em casos nos quais funcionários precisam dirigir. Ao mesmo tempo, precisam acomodar trabalhadores que fazem uso medicinal da droga”, diz o advogado trabalhista Darryl Hiscocks, de Toronto.

Ele acredita que as companhias devem pedir para que os funcionário informem seus gerentes casos estejam usando maconha por indicação médica. “É uma questão de balancear os direitos humanos e o direito à privacidade do trabalhador com preocupações relativas à saúde e à segurança no ambiente de trabalho”, diz.

Por causa dessa legislação que é uma “colcha de retalhos”, trabalhadores que usam maconha por motivos de saúde ou de forma recreacional podem acabar precisando lidar com obstáculos na carreira. “Eles podem ser impossibilitados de viajar, por exemplo, caso tenham recebido uma prescrição para o uso de maconha e a droga não for permitida no país ou Estado de destino”, diz o advogado Tony Fiore.

Um questão complexa

Não existem estatísticas sobre quantas pessoas já foram demitidas — ou deixaram de ser contratadas — por resultados positivos para maconha em testes toxicológicos, mas não há dúvidas de que isso é comum.

“A questão da maconha no ambiente de trabalho é complexa e vai precisar de mais atenção das empresas conforme mais Estados e países descriminalizem a droga”, diz Todd Simo, diretor da HireRight, empresa que oferece serviços de pesquisa de antecedentes para empresas.

“Hoje, o uso de maconha é um sinal amarelo, não um sinal vermelho, como no passado.”

Conforme o estigma associado ao uso da maconha tem diminuído nos EUA, algumas empresas vem permitindo que empregados façam isso até no trabalho — principalmente nos casos de fins medicinais.

Como se trata de uma substância psicotrópica, há uma série de efeitos identificados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que podem interferir na rotina de trabalho – como o fato de a maconha “comprometer o desempenho psicomotor em uma série de habilidades, como coordenação motora, capacidade de dividir a atenção entre várias tarefas”.

Mas alguns empregadores entendem que os efeitos variam de indivíduo para indivíduo. “Menos de um terço dos estudos encontraram uma correlação entre uso de maconha e menor eficiência”, diz Sarah Sullivan, coordenadora da área de controle de riscos da Lockton, uma corretora de seguros.

O empreendedor Altay Guvench diz que empregadores deveriam perceber que alguns funcionários podem até se beneficiar do uso. Guvench diz que, para ele, foi muito útil — das aulas em Harvard ao aumento da produtividade e criatividade no trabalho. “Maconha me ajudou a reduzir a depressão e a ansiedade e a manter minha mente focada em criar softwares ou em praticar música”, diz ele.

O uso da droga normalmente não é permitido para pessoas que trabalhem em cargos em que haja riscos à segurança pessoal e de outras pessoas, como dirigir um ônibus ou operar máquinas pesadas. Além disso, empresas que têm contratos com o governo americano são obrigadas a seguir leis federais e demitir quem tenha um teste positivo para maconha e outras drogas.

No entanto, a falta de mão de obra especializada em algumas áreas leva empresas a pularem a etapa dos teste na contratação e a evitarem a realização de exames aleatórios. Simo, da HireRight, diz que algumas companhias do Vale do Silício normalmente não fazem, porque sabem que perderiam um grande número de candidatos qualificados. “Mas a decisão de pedir ou não os exames é delicada, principalmente em setores que lidam com segurança”, afirma.

“Houve um pico nos testes de drogas por volta de 2014, depois que a maconha começou a ser vendida legalmente, porque as empresas temiam ser prejudicadas ou ter sua capacidade de produção diminuída por causa de uma febre na compra de baseados”, diz Curtis Graves, gerente do Mountain States Employers Council, uma entidade que representa empregadores. “Dois anos depois, no entanto, essa tendência não se comprovou.”

Embora algumas empresas tenham abandonado os exames surpresa, muitas ainda testam pessoas que mostram sinais de incapacidade ou produtividade reduzida. Nesses casos, alguns Estados exigem que os patrões tenham provas do comportamento errático, como mudanças na fala, problemas motores ou queda real no desempenho.

Esses problemas podem, no entanto, não estar relacionados ao uso da droga, mesmo que o resultado do exame seja positivo. A substância detectada é um subproduto da maconha, o tetraidrocanabinol (THC), que pode ser encontrado no sangue semanas ou até meses depois que uma pessoa parou de usar a droga.

Por causa da chance de haver erros e do fato de que um resultado positivo no teste pode ser um indicativo de que a pessoa está debilitada ou mesmo de que usou a droga recentemente, a Organização Nacional para a Reforma das Leis sobre Maconha diz que testes de urina, sangue ou fluídos são discriminatórios — e violam direitos individuais.

A ONG recomenda testes de capacidade de trabalho em vez de exames toxicológicos. Há, por exemplo, aplicativos que detectam mudanças no desempenho ao avaliar a memória, o tempo de reação e o equilíbrio de uma pessoa.

A maioria das empresas reluta em discutir publicamente suas políticas de realização de exames toxicológicos. Companhias multinacionais procuradas para comentar o assunto negaram os pedidos de entrevista. “É uma questão de percepção”, diz Curtis Graves.

“Ninguém quer ficar conhecido por ser ‘relaxado’ com relação a drogas. Companhias têm receio de dizer que afrouxaram suas políticas, porque isso poderia comprometê-las legalmente se acontecer um acidente e o funcionário envolvido tiver substâncias derivadas da maconha no sangue. Mesmo que o uso tenha ocorrido semanas antes.”

Fonte: BBC

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