AMBIVALÊNCIA: EU TAMBÉM SOFRO COM ELA

by Thiago Biancheti

Ambivalência é um sentimento conflitante onde coexistem duas ideias de igual importância e intensidade a respeito de uma mesma coisa. É o sentimento de querer, e não querer, gostar e não gostar, ao mesmo tempo de alguma coisa. Ela não é um traço de personalidade, ou o sintoma de alguma doença mental em especial. É um conflito psicológico que todo ser humano já experimentou. É uma encruzilhada emocional, que se não resolvida aprisiona, paralisa ou promove instabilidade no comportamento. Quem não se viu em dúvida entre tomar ou não um sorvete porque ao mesmo tempo em que se quer saboreá-lo, quer se evitá-lo para se manter no regime? Ou quem não se viu querendo fazer academia para se manter saudável, mas ao mesmo não querendo porque não sente prazer nisso? O resultado costuma ser sempre a instabilidade: ora faço, ora não faço. Os exemplos seriam muitos, mas o importante é perceber que esse sentimento ocorre com você e comigo.

A ambivalência é objeto de pesquisa em psicologia e psicoterapia porque a sua resolução significa alívio de sofrimento, mas nosso foco neste artigo é entender como ela aparece no usuário de droga e nas suas famílias.

É isso mesmo: o mecanismo psicológico que deixa o usuário paralisado diante da decisão em parar ou não de usar é semelhante ao que deixa a família paralisada entre a decisão de internar ou não durante uma crise.

Por que deveríamos, então, tratar da ambivalência do usuário e não a da família, se ambas, compartilham do mesmo mecanismo e igualmente paralisam? Não deveríamos tratá-la com igualdade de condições? O sofrimento pessoal é tão particular que a psiquiatria não se propõe a dizer que é possível saber exatamente o que outros sentem. Os profissionais dimensionam, e se aproximam do sofrimento de seus pacientes com base na sua própria experiência. Ou seja, eu só consigo saber exatamente o que sinto e a partir disso posso me aproximar do que você sente.

Sabe aquela dúvida que você usuário tem se deve ou não deve usar droga, no momento da fissura? Ela é a mesma que o seu familiar sente quando é solicitado a colocar limite no seu comportamento.

Sabe aquela dúvida que você familiar sente se deve seguir a conduta do médico e internar o seu ente involuntariamente? Ela a mesma que ele sente quando diz para você que está disposto a parar o uso e logo em seguida recai.

Tratar a ambivalência envolvida nessa doença, dependência química, é fundamental para todos. Como fazer? Podemos tratar em algum outro momento das estratégias para lidar com a ambivalência. Mas um bom começo é: permita-se ter dúvida; permita-se buscar ajuda; vá junto com o seu familiar. A sua ambivalência é feita do mesmo material que a dele. Por que fomos feitos do mesmo barro?


Por Dr. Cláudio Jerônimo da Silva, Psiquiatra Especialista em Dependência Química. . Artigo publicado originalmente na edição n° 234 da RevistAE, em Março/2019.

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