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Post: A Justiça e o Infrator Abusador (AOD)

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IDEIAS EXTRAÍDAS DA QUESTÃO FORMULADA POR MARA SILVIA CARVALHO DE MENEZES, COFUNDADORA DO AMOR-EXIGENTE E PRESIDENTE DE HONRA DA FEDERAÇÃO DE AMOR-EXIGENTE (FEAE), SOBRE POSSÍVEIS INTERVENÇÕES DA JUSTIÇA NO CASO DE INFRATOR ABUSADOR DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS (AOD) EM CONFLITO COM A LEI.

Conversando com Dona Mara Silvia de AE fui questionado como a Justiça atua no caso da prisão de pessoa abusadora ou dependente de AOD. Ela perguntou isso porque, repetidas vezes, disse ter sido indagada por membros de AE relatando que parente, abusador de AOD, foi preso ao praticar crime, enquanto tais familiares gostariam de ter apoio da Justiça para internar o ente querido nesse momento. A questão abordada é complexa, admite interpretações diversas e não uniformes e, por isso, seguem algumas reflexões sobre o tema que poderão ser úteis.

A Lei Brasileira de Drogas (Lei 11.343/2006) traz várias regras. Uma delas, que está em vigor, prevê ser crime portar droga para consumo pessoal. O infrator flagrado com pequena quantidade de droga (cocaína, maconha, LSD, etc.) para seu uso deverá ser encaminhado à Polícia. Entretanto, ele não será preso em flagrante por se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo, enquanto o artigo 28 dessa Lei permite ao Juiz somente fixar uma ou mais das seguintes penas: a) advertência sobre os efeitos das drogas; b) prestação de serviços à comunidade; c) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Também existem as infrações de médio potencial ofensivo, p. ex. dirigir embriagado, nas quais é possível ao membro do Ministério Público (MP) propor a suspensão do processo mediante condições, se o infrator for primário e sem antecedentes. Mais recentemente, a legislação autorizou o Promotor de Justiça, no caso da prática de infração penal sem violência ou grave ameaça, punida com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, apresentar ao infrator e ao seu Advogado, o acordo de não persecução penal, conhecido pela sigla ANPP. Esse acordo é uma proposta que evita o processo, mas obriga o infrator cumprir determinadas condições proporcionais e compatíveis com a infração cometida, por período de tempo determinado. Ao infrator que abusa de AOD, uma das condições indicadas pelo Promotor de Justiça pode ser a obrigação dele ser avaliado ou frequentar tratamento de saúde ou, ainda, participar de reunião de grupos de mútua ajuda, mas para isso acontecer é indispensável que o infrator confesse a autoria do crime e aceite, juntamente com seu Advogado, a proposta apresentada pelo MP.

Nos casos de prática de infrações de menor e de médio potencial ofensivo, o Promotor de Justiça, Juiz de Direito, Advogado ou Defensor Público podem, portanto, providenciar o encaminhamento do infrator para atendimento ambulatorial (sem internação) em serviço de saúde ou propor que ele participe, sempre por tempo determinado, de reuniões de grupos de mútua ajuda, com a obrigação dele próprio comprovar ao Juiz sua frequência. Essa forma de agir é chamada de Justiça Terapêutica (JT) ou por nome similar. Em São Paulo essa ação ocorre com apoio de serviços de saúde especializados em abuso de AOD (CAPS AD) e membros grupos de mútua ajuda (AA, NA, AE, Alanon, Naranon e Associação Antialcoólica) nas seguintes localidades: Fórum Regional de Santana, Ipiranga e Penha de França (S. Paulo, capital), São José dos Campos, Barueri, Santo André, Pindamonhangaba, Ubatuba, Tatuí, Santos, Mairiporã, Jaboticabal, Mogi das Cruzes, Itapecerica da Serra e Santana do Parnaíba, entre outras.

A pessoa que é dependente de drogas, se sujeita manter consigo drogas com intuito de traficar e arrecadar dinheiro para satisfazer sua dependência, guardando, fornecendo ou carregando essas substâncias e, por isso, comete o crime de tráfico ilegal de drogas, sujeitando-se a ser preso em flagrante (art. 33, Lei 11.343/2006 – pena de prisão de 5 a 15 anos e multa).
Quem abusa de AOD, por vezes, também, pratica crimes patrimoniais, tais como furto (subtração de qualquer bem alheio, sem violência) ou roubo (subtração de bem alheio, com grave ameaça ou violência) e, se preso em flagrante, pode ou não ser mantido na prisão até ser julgado.

No caso de prisão em flagrante por tráfico de drogas ou outros crimes, depois de autuado pela Polícia, o infrator será encaminhado para uma audiência de custódia (no período da pandemia, em algumas localidades, essa audiência é feita de modo virtual ou substituída pela remessa de informações escritas pela Polícia ao Juiz, Ministério Público e Defensoria Pública). Cabe lembrar que toda pessoa presa, também, tem direito de comunicar-se com a família e ser assistida por Advogado, direitos individuais a todos garantidos pela Constituição Federal e sustentados pelo regime democrático de direito, valores caros que devem ser preservados.

Nessa audiência de custódia, se o infrator for primário e tiver bons antecedentes, nem tiver vínculo com organização criminosa, o Juiz poderá, entre outras providências, substituir a prisão por medida cautelar diversa (da prisão) ou autorizá-lo aguardar o julgamento em liberdade.

Se houver indicação séria de o infrator ser abusador de AOD e, também, ficar apontado que ele praticou crime em razão disso (ex. furto de telefone celular para trocar por drogas), há interpretações judiciais que entendem cabível encaminhar esse infrator para internação e tratamento de abuso de drogas, em estabelecimento de saúde público ou privado, assumindo o infrator o compromisso de acompanhar o andamento do processo e cumprir outras medidas, desde que fixadas pelo Juiz, sob pena da revogação do benefício, isto é, retorno à prisão.

Essa interpretação não está prevista no texto da lei (Código de Processo Penal), mas já foi admitida por alguns juízes, em determinados casos, em certas localidades do Brasil sob entendimento de que a prisão deve ser substituída pela internação para equilibrar a saúde do infrator, sempre exigida indicação médica. Recentemente essa interpretação encontrou apoio em parte do texto da Resolução 221/2020, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que orienta a atuação do Ministério Público na audiência de custódia recomendando ao Promotor de Justiça que dela participar formular questionamentos suplementares para verificar, entre outras situações, “histórico de (…) dependência química, para analisar a hipótese de requerer encaminhamento assistencial e a concessão da liberdade provisória, com a imposição de medida cautelar, ou encaminhar o caso para o órgão do Ministério Público com atribuição para a curadoria de saúde.” Nesse ponto, a Resolução do CNMP desperta o Promotor de Justiça para eventual abuso de AOD e, se for necessário, orienta a adoção de providência para acolher, tratar, recuperar ou apoiar a reinserção social do infrator.

Por último, fora do envolvimento com crime, se o dependente de drogas necessitar cuidados intensivos, a Lei dispõe que a internação pode ser indicada pelo médico, somente no caso de os recursos extra hospitalares se mostrarem insuficientes, ou seja, em último caso, conforme previsão do art. 23-A, da Lei 11.343/2006, novidade inserida na lei no ano de 2019.

Referido art. 23-A prevê, entre outras coisas, que a internação voluntária é aquela que se dá com o consentimento do dependente de drogas enquanto a internação involuntária é aquela que se dá, sem o consentimento do dependente, a pedido de familiar ou do responsável legal ou, na absoluta falta deste, de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), com exceção de servidores da área de segurança pública, que constate a existência de motivos que justifiquem a medida.

Em arremate, no caso de notícia da prisão de pessoa dependente ou abusadora de AOD, é importante que o familiar mais próximo se mantenha calmo, procure orientação de um Advogado ou Defensor Público (em algumas comarcas há plantões da Defensoria aos finais de semana), lembrando que em favor das famílias sem recursos, o Juiz nomeará um Advogado para assistir ao infrator. Além disso, se puder, procure orientação médica profissional especializada para, se for o caso, obter declaração escrita indicando a indispensabilidade da internação da pessoa presa, com clara exposição do motivo pelo qual a internação é necessária e, sobretudo, confie que o melhor ocorrerá, buscando apoio nos membros experientes, nos princípios e na literatura de AE, que muito ajudarão lidar com tudo isso tudo.


por Mário Sérgio Sobrinho – Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo e Apoiador do Programa de Justiça Terapêutica (JT) em atenção a pedido de Mara Silvia Carvalho de Menezes, Cofundadora do Amor-Exigente e Presidente de Honra da Federação de Amor-Exigente (FEAE).

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